Em todos os ramos existem as empresas que buscam ser referência no seu segmento. Dentre os carros, por exemplo, a
Porsche é o que toda marca de esportivos gostaria de ser. Criatividade, paixão, tecnologia, engenharia, design e boa dose de arte são ingredientes da receita. No caso da Apple, no ramo de tecnologia, além destas características, a principal, que criou o jeito Apple de ser, foi a
simplicidade.
Nem todos sabem, mas Steve Jobs chegou a se reunir com alguns presidentes de montadoras para discutir a possibilidade de criar um carro da Apple. Essa ideia acabou não saindo do papel, mas o designer Liviu Tudoran fez um protótipo virtual, com desenho que lembra o mouse do Macintosh, um dos ícones da empresa fundada por Jobs.
O carrinho foi batizado como iMove, cujo projeto previa fabricação com material fotocrômico, capaz de ajustar a cor exterior de acordo com o gosto do motorista. Com apenas três lugares, também contava com cintos de segurança para as bagagens e ampla área envidraçada, colaborando com a visibilidade. Se um dia o iMove vai se tornar realidade, ninguém sabe ainda.
O que se sabe é que Jobs admirava a indústria automobilística por venderem como ele, um produto integrado (carroceria, chassis, motor, câmbio etc) e com vários elementos que podiam ser personalizados (cor, sistema de som, motorização etc). E esta admiração parece ser recíproca. No início deste ano, a VW assumiu que quer ser a Apple dos Autos.
Vários protótipos de carros, de diversas marcas, têm surgido com a aplicação do iPad como uma central multimídia removível. E a Mercedes-Benz pretende integrar o iPhone ao sistema multimídia de seus carros em breve.
Enquanto esperamos pelo iMove, vamos imaginar algumas ideias e procedimentos que Steve Jobs lançou mão na Apple, aplicados na Indústria Automobilística de hoje:
Steve Jobs tinha obsessão por perfeição, a ponto de quase deixar maluco seu amigo e sócio fundador da Apple, o grande engenheiro eletrônico Steve Wozniack, que criou a placa com os circuitos que deram origem ao Apple I e ao Apple II. Mesmo escondida, Jobs o pressionou a fazê-la bonita e de aspecto limpo. Sua inspiração eram os gabinetes de cozinha que seu pai adotivo Paul Jobs produzia, com madeira nobre até na peça que ficaria escondida em contato com a parede. Literalmente, até os parafusos, para Steve Jobs deveriam ser perfeitos, polidos e atraentes. E apenas poderiam ser retirados com chave-de-fenda própria. Apenas em supermarcas como Aston Martin, Bentley e Rolls Royce e em alguns modelos ingleses e alemães o capricho deve chegar a tanto!
Desde o maquinário das fábricas, que Steve quis colorido, até os anúncios para revistas, TV, jornal e outras mídias deveriam contar com seu aval. Já reparou que poucos comerciais comcarros inovam ou nos chocam positivamente nos tempos atuais? O comercial do Macintosh em 1984 durante o SuperBowl, marcou história. Nele uma jovem que poderia ser uma andróide lançava um martelo olímpico numa tela de cinema que explodia, interrompendo um discurso de lavagem cerebral sobre o futuro da informação e da tecnologia.
- Detalhes na apresentação do produto
Quer mais? Desde o Macintosh, quando a Apple já gozava de fama e boa reputação, aembalagem deveria ser especial, de modo a ser retirada com carinho sem ser rasgada, para que o cliente encontrasse o produto alli, em repouso, esperando por ele! Como carro não tem embalagem, boa recepção e entrega feita por uma equipe treinada com muita atenção e alguns mimos como DVD, flores, um Certificado, por exemplo, fazem com que o cliente se sinta especial! Mas não adianta fazer isso e relaxar no pós-venda não é?
- Design: Forma + Função + Emoção
Design e arte eram uma paixão intuitiva para Steve que não era designer por formação. O conceito de quadrado-redondo do Kia Soul e do Fiat Novo Uno era uma forma geométrica que adorava. Tanto que ao criar ícones e a calculadora customizável do Macintosh, em conjunto com a então pequena Microsoft, fez questão de levar membros da equipe de design para uma volta pelas ruas próximas para mostrar placas de trânsito, faróis de automóveis, fôrmas de bolo e outros catorze objetos retangulares com cantos arredondados. Esta forma era o Estado da Arte, dizia ele. Reparem que este é o formato do iPhone e do iPad.
Mas além de forma, tudo deveria ter função. E ser simples e intuitivo. De preferência sem ruídos (aboliu ventiladores das máquinas) e sem muitos botões. Inclusive o botão liga-desliga seria eliminado mais adiante, de modo que um toque no dispositivo o despertasse do estado de hibernação. Uau, será que os carros ficarão assim com a chegada dos elétricos?
E a busca de Jobs era não apenas por forma e função, mas por algo mais, Tanto que ele lança um concurso mundial para escolher a linguagem de design da Apple, em 1982. O vencedor foi o alemão Hartmut Esslinger que veio para a Califórnia pôr em prática o design clean e de cor branca com forma, função e emoção, segundo definia o germânico.
- Profissionais com paixão pelo ramo em que atuam
E os produtos do dia-a-dia de Steve Jobs deveriam seguir a cartilha da perfeição. Adoravaluminárias perfeitas e articuláveis, facas que não perdiam o corte, móveis perfeitos, lindos pianos, motos BMW e carros da Mercedes-Benz, que apreciava por transmitirem robustez e esportividade associadas a um design limpo e duradouro. Motivos que o levaram a ter várioscarros da marca – SL450, S63 e SL55.
Por não conseguir encontrar móveis perfeitos o suficiente, por anos a fio, sua mansão em Palo Alto, Califórnia ficou sem móveis, contando apenas com um tapete, uma luminária e um piano. A indústria automobilística precisa reencontrar profissionais com esta paixão para desenvolver produtos de massa, não apenas supercarros!
Para instigar a paixão de seus funcionários, Steve chegava ao extremo de criar times “rivais” na empresa, como o time Lisa e o time Macintosh, de modo a forçar seus melhores profissionais a dar tudo de si e mais um pouco! Nesta fase da Apple destaca-se Andy Hertzfeld da equipe original do Macintosh. O time com as melhores solluções seria premiado com festas e passeios de iate. Já pensou que legal a VW criar times assim para criar um novo popular?
- Sem cortes de custo e com lucratividade justa
Mas hoje parece que tudo esbarra em custo. Visando a lucros cada vez maiores e produtos sem emoção.
E por falar em lucro, Jobs criticava duramente IBM, Microsoft e Dell por visarem mais a lucro do que excelência. Para Jobs, a Apple queria vender uma experiência completa e inesquecível ao consumidor. E um bom hardware equipado com programas ruins ou vice-versa não seriam dignos do jeito Apple de ser.
- Experiência completa e fidelidade à marca
Mais tarde, com a loja virtual iTunes para a venda on-line de músicas, vídeos e apps (pré-aprovados rigorosamente) e com as lojas físicas Apple Store, com chão de mármore italiano, vidros feitos sob medida e escada com desenho patenteado, sua obsessão nesta experiência foi levada ao último degrau, o do ambiente de compra e atendimento. Tudo que as concessionárias de carros e motos deveriam ser, ainda mais aqui que compramos Celta a preço de Corolla em muitos países.
A filosofia de sua empresa, segudo o próprio Steve, combinava perfeitamente com a Educação do futuro: reunir ideias, trabalhar arduamente, adicionar arte e mágica e usar tecnologia de modo a criar o futuro. Sem descartar intuição. E inovar sempre. “A inovação é o que distingue o líder dos seus seguidores”. De um almanaque que lia quando jovem, tirou uma frase, impressa abaixo da foto de uma estrada sem fim na contracapa: “Stay fool, stay hungry” – Seja sempre ingênuo, seja sempre faminto (por aprendizado).
- Conhecer seu cliente como nem ele se conhece
Lendo isto, pode parecer que a Apple fazia inúmeras pesquisas de mercado para saber os anseios do consumidor, seus materiais preferidos e funções dos aparelhos. Mas nunca o fez. Steve não acreditava em pesquisa de mercado. Questionado, citava Henry Ford que dizia que consumidores não sabem o que querem. “- Se eu tivesse perguntado a eles o que queriam, muitos teriam dito que precisavam apenas de um cavalo mais rápido”, dizia Henry Ford.
Desse modo, a cor branca, ou Pure White, incluindo o fio do iPad, o vidro de alta tecnologia do iPhone, o Gorilla Glass, e o uso de alumínio iodizado e escovado foram idealizados por Jobs e pelo designer inglês Jony Ive, contratado pela Apple quando Steve esteve afastado dela por doze anos, mas cujo talento Steve Jobs soube reconhecer e salvar do entulho que encontrou na companhia quando retornou. Ive, junto com Steve foi responsável pelo desenvolvimento e design de todos os dispositivos “i”.
Outra premissa de Jobs para alcançar tamanho sucesso era a de contar com profissionais que fossem os melhores naquilo que fizessem, não importando tanto a experiência curricular deles mas algo real que tivessem produzido. Assim também foi com Tony Fadell,.engenheiro cyberpunk trazido para a Apple em 2001 para desenvolver o iPod e com outros profissionais que seriam os responsáveis por montar a loja virtual, as Apple Store físicas, o departamento de software para dispositivos móveis e assim por diante. Em alguma coisa a indústria automobilística “de massa” tem falhado, pois apesar de só contratar engenheiros ditos talentosos, seus produtos estão cada vez piores, com uma avalanche de recalls nunca vista.
Talvez porque o departamento de RH delas não consiga enxergar paixão pelo produto carro, apenas qualificação acadêmica e capacidade de cortar custos dos profissionais.
Outro ponto importante foi a capacidade de se fazer boas alianças, com Adobe, Microsoft, Gorilla Glass e Intel, por exemplo. Jobs disse a Bill Gates, após acertarem a parceria para produção de Pacote Office para o Mac em 1997 : “O mundo será um lugar muito melhor depois disso!”. O que mais existe na história da Indústria Automobilística são exemplos de parcerias malfadadas (DaimlerChrysler, Autolatina, Suzuki-VW, Fiat-GM).
Nas últimas páginas da Biografia de Steve Jobs, com quase 700 páginas, o jornalista-biógrafo Walter Isaacson chega à conslusão que o grande legado de Jobs não teria sido inventar, mas revolucionar o que já existia, mudando para sempre seis indústrias: a dos computadores pessoais, a dos filmes de animação (com a Pixar Studios), a de música, a de telefones, a de tablets e a de publicação digital. E pode-se dizer que não reinventou mas repensou as lojas de varejo, com as Apple Store físicas.
Além disso, ele abriu o caminho para um novo mercado de conteúdo digital com base emaplicativos (App Store do iPhone, no iTunes). “A App Store criou uma nova indústria da noite para o dia. Em garagens, em repúblicas de estudantes e em grandes empresas de comunicação, programadores inventavam e continuam inventando diariamente novos aplicativos”, disse Isaacson.
- Todo mundo merece uma segunda chance
O jornalista e biógrafo Isaacson acrescenta: E ao longo do caminho, não somente criou produtos transformadores, mas também, em sua segunda tentativa, após ter sido afastado da Apple de 1985 a 1997, (re)construiu uma empresa duradoura, dotada de seu DNA, que está cheia de designers criativos e engenheiros intrépidos capazes de levar adiante sua visão.(The New iPad foi lançado após seu falecimento). E dizem que uma TV da Apple está a caminho.
Imagine se ele não tivesse tido esta segunda chance em 1997, heim!? Ou a primeira ao ser contratado pela Atari no início da carreira? Ou seja, nós consumidores estamos dispostos a dar uma segunda chance à Indústria Automobilística, não estamos pessoal? Um jeito Apple de ser aplicado aos carros seria muito bem vindo, não seria?